04 setembro 2014

Os extremos da religião e da política no Estado laico

Dar a César o que é de César
O atual cenário político nacional é, no mínimo, interessante – mas chega a ser até assustador. Enquanto o governo da presidente Dilma Rousseff, na tentativa de frear a ascensão da candidata Marina Silva ao Planalto desengaveta a chamada Lei Geral das Religiões, cuja tramitação está há mais de um ano parada no Senado, a pastora pentecostal Ana Paula Valadão grita a plenos pulmões que “nós estamos indo para a política brasileira e as portas do inferno não prevalecerão contra a igreja do Senhor”. Dilma, que é ateia, surpreendeu também ao comparecer à inauguração do megatemplo de Edir Macedo (ou de Salomão, como ele diz) em São Paulo, não necessariamente por seu ateísmo (já que, em tempo de campanha, políticos rezam para todos os “santos”), mas por saber das falcatruas de que Macedo é acusado há anos e, mesmo assim, dar essa honra ao “bispo”, privilegiando e reconhecendo a igreja que ele criou nos anos 1970. Na luta pelo apoio político vale tudo, não é mesmo?
A Lei Geral das Religiões, estrategicamente desengavetada neste momento, estabelece para instituições religiosas diversos benefícios – inclusive tributários. Segundo a revista Veja, “o texto foi apresentado em resposta ao acordo firmado em 2008 entre o Brasil e o Vaticano, que estabeleceu normas sobre os mesmos temas em relação à Igreja Católica. Líderes evangélicos reclamam que o Estatuto Jurídico da Igreja Católica desequilibrou o tratamento das religiões por parte do Estado – o que motivou a elaboração da Lei Geral das Religiões. Aprovado em 2013 pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado, o texto ainda não foi a plenário”. Mas deve ir, porque Dilma quer desesperadamente agradar os evangélicos.
Ana Paula Valadão, assim como um movimento que quer tornar a religião católica oficial em nosso país e está arrecadando assinaturas para isso (confira), realmente parece não entender o que é um Estado laico e a importância de sua manutenção. Basta um olhar na história do mundo para perceber que a união Estado/igreja nunca foi boa coisa, especialmente para minorias discordantes, que acabaram pagando alto preço (fogueira, tortura e conversão forçada) por pensar de forma diferente. E nem é preciso olhar para trás para perceber os perigos de uma pretensa teocracia. Isso existe em nosso tempo e tem sua mais nefanda expressão nos Estados islâmicos radicais.
O que esse pessoal que se diz crente está esquecendo é da orientação de Jesus segundo a qual devemos dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus (Mt 22:21), ou seja, devemos separar religião de política. Creio que Marina entendeu isso. Mas alguns crentes ainda creem que devem tomar de assalto o governo a fim de estabelecer o reino de Deus na Terra. 

Tenho “medo” da corrupção do PT. Tenho “medo” das falcatruas do tucanato. Mas também temo que crentes desequilibrados, estridentes, triunfalistas e dados ao transe místico queiram se intrometer na gestão pública do País. O Estado precisa continuar laico - para o bem de todos.

Michelson Borges