28 agosto 2008

A tempestade perfeita de uma recessão global

É cada vez maior a probabilidade de a economia a nível mundial e não apenas os Estados Unidos viver uma grave recessão. Os recentes desenvolvimentos sugerem que todas as economias do G7 estão já em recessão ou perto de mergulhar nela. Outras economias avançadas ou mercados emergentes (a restante Zona Euro, Nova Zelândia, Islândia, Estónia, Letónia e algumas economias do Sudeste da Europa) estão, também, prestes a cair numa forte recessão.

Quando isso acontecer, registar-se-á um forte abrandamento do crescimento nos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) e em outros mercados emergentes.

Esta recessão mundial que se vislumbra está a ser alimentada por vários factores: o colapso das bolhas imobiliárias nos Estados Unidos, Reino Unido, Espanha, Irlanda e em outros países da Zona Euro; a perfuração das bolhas do crédito, em que o dinheiro e o crédito foram demasiado fáceis durante demasiado tempo; a severa crise do crédito e da falta de liquidez que se seguiu à crise do mercado hipotecário nos Estados Unidos; os efeitos negativos – na riqueza e no investimento – da queda dos mercados accionistas (que já perderam mais de 20% a nível mundial); os efeitos globais – por via dos vínculos comerciais – da recessão nos EUA (que ainda representam cerca de 30% do PIB mundial); a fraqueza da moeda americana, o que reduz a competitividade dos parceiros comerciais dos EUA; e os efeitos estagflacionistas dos elevados preços do petróleo e de outras matérias-primas, que estão a obrigar os bancos centrais a aumentarem as taxas de juro para combaterem a inflação, numa altura em que se colocam sérios riscos de inversão de tendência do crescimento e da estabilidade financeira.

Os dados oficiais revelam que a economia norte-americana entrou em recessão no primeiro trimestre deste ano. Impulsionada pelo aumento momentâneo do consumo devido aos 100 mil milhões de dólares de reduções de impostos, a economia retomou – numa recessão caracterizada por um breve período intermédio de recuperação económica – no segundo trimestre. Mas esses efeitos vão dissipar-se no final do Verão.

O Reino Unido, Espanha e Irlanda estão a registar desenvolvimentos semelhantes, com as bolhas do mercado imobiliário a perder ar e com a excessiva dívida dos consumidores a provocar uma quebra nas vendas do retalho, conduzindo assim a uma recessão. Mesmo em Itália, França, Grécia, Portugal, Islândia e Estados Bálticos, os borbulhantes mercados imobiliários estão a começar a enfraquecer. Consequentemente, não é de admirar que a produção, vendas e confiança dos consumidores e dos empresários estejam a cair em toda a Zona Euro.

Também o Japão está a registar uma contracção. O Japão costumava crescer modestamente por duas razões: fortes exportações para os EUA e um iene fraco. Actualmente, as exportações para os Estados Unidos estão a diminuir, ao passo que o iene tem vindo a fortalecer. Além disso, os elevados preços do petróleo num país que importa todas as suas necessidades em matéria de "crude", de par com a queda da rentabilidade e da confiança, estão a empurrar o Japão para uma recessão.

A última das economias do G7, o Canadá, deveria ter beneficiado com os altos preços da energia e das restantes "commodities", mas o seu PIB diminuiu no primeiro trimestre devido à contracção da economia norte-americana. Com efeito, 75% das exportações do Canadá destinam-se aos Estados Unidos, ao passo que a procura externa é responsável por 25% do seu PIB.

Assim sendo, todas as economias do G7 estão de momento a caminhar para uma recessão. Outras economias mais pequenas (essencialmente os novos membros da UE, que têm grandes défices das contas correntes) correm o risco de registar uma súbita inversão de tendência ao nível da entrada de capital. Isto pode estar já a acontecer na Letónia e na Estónia, bem como na Islândia e na Nova Zelândia.

Esta recessão dos países do G7 vai levar a uma forte desaceleração do crescimento nos mercados emergentes e poderá arrastar as economias de todo o mundo para uma recessão. As economias que estão dependentes das exportações para os Estados Unidos e para a Europa e que apresentam fortes excedentes das suas contas correntes (China, grande parte da Ásia e a maioria dos restantes mercados emergentes) vão ser penalizadas com a recessão no G7.

Os países que têm fortes défices das suas contas correntes (Índia, África do Sul e mais de 20 economias da Europa de Leste, desde os Estados Bálticos até à Turquia) poderão sofrer com a crise global do crédito. Os exportadores de matérias-primas (Rússia, Brasil e outros países do Médio Oriente, da Ásia, de África e da América Latina) ver-se-ão afectados à medida que a recessão no G7 e o abrandamento a nível mundial forem quebrando os preços da energia e de outras "commodities" – podendo essas descidas ascender a 30%.

Os países que permitiram que as suas moedas valorizassem face ao dólar vão registar uma forte desaceleração no crescimento das exportações. Os que registam aumentos da inflação, agora na ordem dos dois dígitos, terão de subir as taxas de juro, ao passo que outros países com elevadas taxas de inflação perderão competitividade ao nível das exportações.

A queda dos preços do petróleo e de outras matérias-primas – que já estão em baixa de cerca de 15% desde os seus máximos – irá, de alguma forma, reduzir as forças estagflacionistas na economia global, mas a inflação está a ficar cada vez mais aprofundada por via de um círculo vicioso de subida dos preços, salários e custos. Isto condicionará a capacidade dos bancos centrais para responderem aos riscos negativos para o crescimento.

No entanto, nas economias avançadas, a inflação será menos problemática para os bancos centrais em finais deste ano, já que a menor actividade nos mercados diminuirá o poder de fixação de preços por parte das empresas e o aumento do desemprego restringirá o crescimento salarial.

Sem dúvida, todos os bancos centrais do G7 estão preocupados com o aumento temporário da inflação geral e todos ameaçam subir as taxas de juro. No entanto, o risco de uma grave recessão – e de uma grave crise bancária e financeira – acabará por obrigar todos os bancos centrais do G7 a cortarem as taxas de juro. O problema é que, especialmente fora dos Estados Unidos, esta flexibilização monetária só acontecerá quando a recessão no G7 e a nível global já estiver bastante entrincheirada. Assim, a resposta política terá pouca força e surgirá demasiado tarde para evitar essa situação.

Fonte Jornal de Negócios