25 agosto 2008

AS GUERRAS QUE ESPERAM A RÚSSIA

ABEL COELHO DE MORAIS

Geopolítica. As duas últimas décadas têm testemunhado extraordinários acontecimentos naquela que foi a União Soviética, do seu desmembramento à multiplicação de conflitos num espaço que Moscovo ambiciona hegemonizar

O confronto entre a Rússia e a Geórgia em torno da Ossétia do Sul e da Abcázia é um dos inúmeros conflitos em suspenso no espaço geográfico da ex-União Soviética.

Conflitos que envolvem reivindicações de independência nacional, tensões entre etnias locais e populações russas, em paralelo com as estratégias de hegemonia de Moscovo, com argumentos históricos e geopolíticos oriundos dos tempos de apogeu da Rússia imperial.

A batalha pelo controlo daquelas duas regiões é, neste caso, o capítulo mais recente de um conflito cujas raízes mergulham nas primeiras décadas do século XX, com a anexação da Geórgia pela Rússia Soviética, em 1921, e com a revolta georgiana de Agosto de 1924 - reprimida pelo Exército Vermelho.

O primeiro capítulo deste conflito na era pós-soviética foi a guerra civil de 1992-1993 entre o independentista Zviad Gamsakhurdia e Eduard Chevardnadze, apoiado pela Rússia.

Moscovo procura neutralizar o nacionalismo da Geórgia, apoiando as minorias presentes na zona e que permanecem fechadas a qualquer influência ou cooperação com Tbilissi. À questão étnica e à política do dividir para reinar da Rússia soma-se a diferença de religiões - os georgianos são cristãos e os abcazes muçulmanos - e a localização geográfica da região, junto ao Mar Negro, área de interesse estratégico para Moscovo, onde confluem as fronteiras russas, georgianas, turcas, búlgaras, romenas, moldovas e ucranianas.

Na Ossétia do Sul, o problema é essencialmente político e étnico, com os habitantes da região a reivindicarem a integração na Ossétia do Norte, parte da Federação Russa, e Tbilissi a considerar que Moscovo manipula os ossetas e a sua reivindicação de uma identidade diferenciada para fragmentar a Geórgia.

O conflito levou a negociações entre Moscovo e Tbilissi, com a criação de uma força de manutenção de paz internacional, dominada pelos russos e integrando forças da Geórgia e milícias ossetas. A tensão foi congelada, mas o problema não foi resolvido. Em diversos momentos, tornou-se evidente que esta era uma guerra adiada. A eleição de Mikhail Saakashvili e as suas inclinações pró-ocidentais aumentaram as tensões.

A estratégia de Moscovo para recuperar influência ou fragilizar os Estados nascidos da desagregação da ex-URSS passa pelo apoio incondicional e musculado a províncias secessionistas dos novos países ou às minorias russas a viver no interior destas fronteiras (ver gráfico). É o caso da Transdniestria, que declarou independência da Moldova em 1990 - acto reconhecido por Moscovo. A região reivindica a integração na Rússia, que ali mantém uma base militar.

A população desta região pertence aos grupos de falantes russos e ucranianos, enquanto a língua dominante na Moldova é de origem romena. Mas as preocupações de ordem estratégica sobrepõem-se às étnicas e culturais.

Estas são, todavia, relevantes num outro ponto de conflito ainda por resolver: o enclave de Nagorno-Karaback, de maioria étnica arménia e população cristã, na república do Azerbaijão, onde dominam os azeris, muçulmanos. No final dos anos 80, ainda na vigência do regime soviético, intensificam-se os confrontos entre as duas comunidades que vão conhecer uma forte escalada, em 1991, quando o enclave declara a independência. Após alguns sucessos iniciais, os azeris são derrotados, permanecendo por resolver o estatuto do Nagorno-Karaback.

Religião e reivindicações de independência - com origem no século XIX - sustentam aquele que é o mais violento conflito no espaço da ex-URSS: a Chechénia. Com dois ciclos de violência após a desagregação da ex-URSS, em 1994-1996 e 1999-2000, o conflito nesta região da Federação Russa ultrapassou os limites do Caúcaso, com as incursões terroristas em Moscovo e implicou a humilhação do exército russo num primeiro momento. O segundo período do conflito antecipa a chegada ao poder de Vladimir Putin e uma política de terror, em que Moscovo vai apoiar-se em aliados locais para contrariar a estratégia independentista. Putin teria presente a frase de um general czarista quando lhe perguntaram do que precisava para ganhar uma batalha no Cáucaso. A resposta foi: "um checheno". Moscovo vai precisar de muitos chechenos nos próximos tempos.